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sexta-feira, 2 de maio de 2014

A caixa

Era a primeira vez que ele via uma caixa tão bonita.

O embrulho vermelho cintilante espelhava tudo em seu entorno, inclusive sua própria face. O laço também vermelho, exageradamente grande, parecia pedir para que fosse desfeito. Mas durante alguns minutos, ele não pôde sequer tocá-lo. Apenas continuou a olhar as imagens refletidas no papel espelhado.

Não havia nada que denunciasse quem era o remetente, mas ele desejava ardentemente que fosse alguém. Só havia uma pessoa, em todo o mundo, que o faria feliz enviando-lhe algo. A caixa poderia estar vazia... Mas se ele soubesse que fora aquela pessoa quem lhe mandara, sentiria todo o conforto do mundo sobre seus ombros.

Os últimos dias que passara trancado dentro de suas próprias angústias provavelmente teriam sido os mais escuros de toda a sua vida. Ele sabia que estava sendo testado e sentia que a cada dia suas forças se extinguirem mais, a ponto de ter certeza que não passaria à prova. Não era a primeira vez que sua resistência fraquejava; mas desta vez, ele se sentia sozinho demais para lutar contra todas as barreiras que surgiam a sua frente. Algo lhe dizia que tudo seria diferente se pudesse sentir sua presença mais próxima, mas a cada dia parecia mais impossível que isso pudesse acontecer.

Quando viu aquela caixa esperá-lo, como flamejando em meio aos tons de cinza da mesa do escritório, correu para tomá-la nas mãos, inconscientemente temendo que queimasse tudo a sua volta. Para o delírio de seus sentidos, a caixa estava gelada. Sentado na poltrona, petrificou-se a admirá-la.

Só quando o clique do relógio de mesa indicou que o expediente de trabalho começaria, deu-se conta que deveria abri-la. Em breve curiosos chegariam e lhe perguntariam o que era aquele objeto cintilante que tinha nas mãos. Não, ele mesmo não estava curioso para ver o conteúdo do caixa. Porque mesmo que desejasse com todas suas forças que uma pessoa o tivesse presenteado, sabia que havia a triste possibilidade de seus desejos não se realizarem. E aquele sentimento de dúvida era infinitamente mais agradável do que a decepção de estar enganado.

Ele talvez tivesse cinco minutos mais para aproveitar a sensação única de ter a caixa anônima sobre suas mãos. Para sua sorte, seus demais companheiros de trabalho não eram nada pontuais e não o importunariam por mais algum tempo. E durante esse breve instante, aproveitou para imaginar como teria sido o envio daquela caixa, por alguém tão incrível. Podia ver suas mãos embrulhando o pacote com delicadeza e capricho, e a imagem de seus dedos dançando ao fazer um laço tão perfeito era tão real que ele mesmo não conseguia imaginar outra pessoa o fazendo.

Não havia mais como adiar. Ao longe, os passos e risos dos outros funcionários já podiam ser escutados. Com o coração disparado, abriu cuidadosamente o embrulho, tomando cuidado para não destruí-lo por completo. Por debaixo do papel espelhado, uma tampa firmemente encaixada na embalagem guardava o presente. Ele sentia-se tolo por ter as mãos tão trêmulas. Ao abrir a caixa, a surpresa: um livro! 

Tomou-o nas mãos, buscando uma dedicatória ou qualquer escrito que pudesse lhe confirmar quem lhe remetera o embrulho. Não havia nada. Mas ele não precisava de mais nada. Já era suficiente.

Ele tinha certeza que só uma pessoa, em todo o mundo, lhe mandaria um livro em branco. Porque só uma pessoa desejava, onde quer que estivesse, que ele completasse suas páginas vazias.

6 comentários:

  1. Finalmente texto novo! Tão bom como sempre. Só acho que eu abriria essa caixa logo de cara, mas todo esse pensamento do personagem tem um bom argumento. Amei. (Eterno puxa saco, mas tudo bem né, haha... Escreva algo ruim pra eu poder criticar direito pfvr)

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    1. Hahahaha, acho que eu também abriria de cara! Obrigada best!<3

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  2. o embrulho vermelho me lembrou um rolo de papel de presente vermelho que tenho aqui, acho que é seu, não? rs. Ótimo texto!!!

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    1. Nossa, bem lembrado! Quanto tempo... Talvez nem tanto, mas parece! Quando eu for assistir os jogos pego... Se lembrar, milagrosamente! :)
      Obrigada!

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