Tudo estava muito quieto. Ele estava deitado ao lado da cama do irmão, que milagrosamente não roncava aquela noite. Já se passava das quatro horas da manhã, e aquela maldita insônia não o deixava dormir de jeito algum.
Ele não conseguia impedir aquele combate de vozes lutando em sua cabeça. Às vezes eram lembranças do que acontecera horas antes, ou até mesmo na semana anterior. De repente, mais alto, ele ouvia a própria voz tentar dominar aquela grande bagunça que se formara em sua cabeça. Voltava ao quarto escuro, e tinha medo que as crises de síndrome do pânico voltassem. Antes que o calor começasse a subir pela sua nuca, e aqueles pensamentos o fizessem acreditar que estava louco, acendeu a luz.
A claridade do ambiente permitiu que seu medo e sua respiração se controlassem. O irmão se revirou em sua cama, mas pareceu não acordar. Melhor assim.
No criado mudo havia uma folha de papel branco rabiscada, mais ainda restava um espaço branco no fim. A gaveta rangiu de velhice quando ele a abriu e tateou em busca de algo com que pudesse escrever.
Faltaram-lhe palavras. Elas eram tão delatoras, que ele achou melhor não escrever nada. Desenhou traços e mais traços, sem notar exatamente que forma construía.
Não sabia ao certo quanto tempo se passara quando a explosão aconteceu. Sim, porque fora como uma grande explosão; tudo se iluminara, e ele podia sentir a força e a energia.
Não era uma ideia qualquer. Era algo inovador, algo incrível, que com certeza o tornaria alguém muito importante. E ele com certeza ficaria milionário com aquela ideia. Mas e se alguém a descobrisse? E se quisessem roubá-la? Não, ele não deixaria. Teria de escondê-la de alguma forma. Mas se a escondesse.... Como saberiam o quão inteligente era seu criador? Como ele ganharia seu dinheiro?
O medo de que o descobrissem dominou-o por completo, e quando ele percebeu, estava prestes a rasgar o papel. Em pânico, desamassou-o. Trêmulo, pegou seu celular sobre a cabeceira e ligou sua câmera. Sim, ele iria tirar uma foto. Teriam que acreditar na data e no horário, saberiam que ele fora o primeiro a ter a grande ideia. E ele seria o dono dela, mais ninguém. Patentearia, caso fosse necessário.
O celular caiu de suas mãos.
- Mas o que é que você está fazendo a essa hora?
O susto não fora maior do que o terror que sentiu ao ver que seu irmão acordara. Como poderia esconder a ideia dele? Ele faria perguntas e mais perguntas.... Irmãos adoram fazer perguntas... E se ele quisesse tomar-lhe a ideia?
Teve que conter-se para não cair aos prantos.
- Que nervosismo é esse? Você viu alguma coisa? Está com medo?
- Não, eu só estava rabiscando. Só rabiscando, para dormir. Queria dormir, mas não consigo.
- O que você está rabiscando? Quero ver.
Ele não lutou, entregou o papel. Não tinha como lutar com ele.
O irmão olhou o papel e seus olhos se iluminaram.
- Que bacana! Onde você viu isso?
- Não vi nada não, nada. Saiu da minha cabeça, a ideia é minha. Eu que fiz, sou o dono dela.
O irmão soltou uma gargalhada assustadora.
- Como assim sua? Ninguém tem ideia nenhuma cara. Olha só, quando você nasceu, já existia muita gente no mundo. Tiveram que te ensinar as coisas, não foi? Se não tivessem te ensinado as coisas, você não ia saber nem falar. Ou você viu isso em algum lugar, ou viu algo parecido.
Ele sentiu raiva, e quase esqueceu-se de seu tamanho para atirar-se contra o irmão. Mas não podia fazê-lo antes de recuperar seu papel.
- Nunca vi nada parecido. Não copiei de ninguém.
- Tudo bem, mas você deve ter se inspirado em alguém, ou alguma coisa. Mas não precisa ficar bravo, isso não quer dizer que tenha menos valor por isso. É bacana de qualquer jeito. Você vai colocar na internet?
- Não. Não vou, não quero que roubem minha ideia.
Mais uma vez aquela gargalhada.
- E quem disse que se roubam ideias? Ideias não são roubadas... ideias são compartilhadas. Pára com isso... Imagina se o cara que inventou o fogo tivesse pensado assim? E a eletricidade? E tudo? A gente não teria História! Seríamos todos animais selvagens... ou não teríamos avançado de forma alguma em relação a tecnologias, ou qualquer outro tipo de coisa...
Por um momento, parecia que havia algum sentido no que o irmão dizia. Mas ainda assim... E se ele estivesse querendo roubá-la, para ficar como todo o dinheiro para si?
- A ideia é minha. Vou patenteá-la. E vou ganhar dinheiro com isso.
Dessa vez, ele não gargalhou.
- Então é isso? Toda essa aflição, por que você quer ganhar dinheiro com sua ideia... Vamos pensar o seguinte. De qualquer forma, para que você ganhe dinheiro com ela, você terá que compartilha-la. Se você compartilhar com alguns poucos milionários, eles até te pagarão por isso. E eles vão usar sua criação como eles quiserem. Podem até matar um monte de gente com isso. Agora, vamos supor que você compartilhe com o mundo inteiro. É provável que alguns tomem seus créditos por sua obra - mas geralmente acabam descobertos. Mas todos terão acesso a sua genialidade, e poderão se beneficiar dela. Se alguns tentaram usá-la para fazer coisas ruins, outros tentarão usá-la para o bem. E isso vai ajudar, de alguma forma, na construção da História! Será que você consegue perceber isso, ou prefere continuar sendo egoísta?
Ele não respondeu. O irmão lhe entregou o papel e virou-se para dormir.
Passou ainda algum tempo olhando para o papel, antes de adormecer. Quando acordou, não encontrou papel algum. Tentou recordar-se de sua ideia, mas nada veio a mente. Buscou encontrar embaixo da cama e dos móveis o papel perdido, mas nada apareceu. Teria sido algum sonho? Ou teria ele enlouquecido como sempre temera?
Acordou o irmão e lhe perguntou sobre o que acontecera. Ele resmungou que não se lembrava de nada, e que devia ser mais um de seus ataques de sonambulismos.
Mas ao invés de irritar-se, o dono da ideia sorriu. Ficou aliviado por não ter que tomar uma decisão tão importante. Vestiu seu uniforme e foi para a escola.
O irmão ficou sentado na cama, e refletiu durante muito tempo. Pegou o papel amarrotado no bolso, e admirou-o. Pensou se fizera o correto... E concluiu que sim. Afinal de contas, seria uma grande frustração para um garoto de sete anos descobrir que a máquina de escrever se tornara um objeto tão obsoleto.
Ótimo texto, tem estilo de escritor profissional mesmo. Junte vários textos como esse e pode publicar um livro de contos ;]
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