Só mais uma pedra.
Era isso que ele repetia para si mesmo, mentalmente. Embora todo aquele barulho ensurdecedor da obra impossibilitasse qualquer tentativa de comunicação por voz, não havia porquê arriscar compartilhar suas angústias com ninguém.
Não havia qualquer referência de tempo que pudesse assegurar quanto ele já havia trabalhado ou dar-lhe o mínimo de esperança de que o fim estava próximo. Não que ele soubesse o que faria depois - talvez, muito provavelmente, mais uma pirâmide -, mas de alguma forma haveria certo conforto em poder considerar que em um dado momento ele não precisaria mais repetir todos aqueles movimentos que pareciam destruir seu corpo todos os dias.
Só mais uma pedra.
Ele não fazia ideia de porque estava construindo aquilo. Pelas faces suadas dos demais ao seu redor, nenhum dos que estavam com uma pedra na mão pareciam saber qual a finalidade da pirâmide. Os que seguravam chicotes no lugar de pedras, minoria, pareciam ter algo diferente no olhar. Não havia nenhum indício de que soubessem qual o propósito da obra, mas certamente algo os motivava para que estivessem ali.
O sol já estava próximo ao horizonte quando um súbito silêncio indicou o que parecia ser improvável: o Soberano se aproximava. Por alguma razão inexplicável, excepcionalmente aquele dia ele havia decidido visitar a obra incompleta. Conforme o Soberano caminhava por entre os trabalhadores, seus corpos se curvavam e o reverenciavam.
Só mais uma pedra.
Apenas alguns passos o separavam do Soberano. Era a primeira vez que o via tão de perto. Mas antes que pudesse se mover para curvar-se diante do homem, um estalo em suas costas o impediu de seguir. Sem se controlar, urrou de dor.
Seus olhos esbugalhados se encontraram com o do Soberano, que o fitava com desprezo. Ninguém havia se movido.
- Só mais um escravo.
Foi tudo o que ele ouviu o Soberano dizer antes que a pedra o acertasse e tudo se tornasse escuridão.